Por que Ivan Bunin?
Um texto de Robson Ortlibas
Ainda na organização do evento de lançamento de “Rosa de Jericó e outros contos”, de Ivan Bunin, que ocorreria na Livraria Na Nuvem, estávamos eu, a equipe da Tacet Books (Horacio Corral e Mayra Falcini) e a Renata, sócia da Livraria Na Nuvem e, antes de tirar uma foto de todos juntos, de pronto, a Renata me perguntou: “Por que Ivan Bunin?” Minha resposta foi quase que imediata: “Porque entrou em domínio público!”
Lançamento presencial de “Rosa de Jericó e outros contos”, na Livraria Na Nuvem (Na foto: Renata, Rita Couto e Robson Ortlibas)
A princípio, esta resposta certamente gerou um choque, talvez até desânimo, na Renata, pois certamente esperava um argumento melhor, e até no Horácio e na Mayra; se fosse em um evento público ou nas redes sociais chocaria até as pessoas que amam a literatura e esperam uma resposta mais romantizada. Parece uma resposta fria, calculista, de alguém que faz aquilo apenas pelo dinheiro, como um trabalho entediante. Pior ainda, parece a resposta de um tradutor que não tem paixão por aquilo que faz, neste caso a literatura, e vê apenas possibilidades de ganhos.
Bem, sou contra a romantização de qualquer trabalho, inclusive do tradutor, ainda que eu goste do meu ofício. Afinal, trabalho é trabalho; fazemos isso apenas porque precisamos da sua contrapartida, o dinheiro, para poder viver. Como tradutor de literatura russa, passaria facilmente o resto da minha vida sem traduzir e apenas lendo os grandes nomes da literatura, à beira do mar, ou em uma bela vista das montanhas. Em suma, gosto do que faço e faço com paixão, não por paixão. Ufa, acho que ficou mais fácil agora.
E quanto à escolha de traduzir Ivan Bunin?
Ainda em 2014, formado recentemente em tradução e ainda traduzindo do russo apenas textos técnicos e projetos audiovisuais, ganhei de um amigo dezenas de livros em língua russa (o celtinha ficou lotado com livros). Entre as dezenas de livros, havia uma obra de Ivan Bunin. Neste caso era uma edição de “Primavera na Judeia / Rosa de Jericó”, publicado pela Editora Tchékhov, de Nova Iorque, em 1953. É uma publicação relativamente rara de uma coletânea de contos do Ivan Bunin, com uma biografia escrita pelo próprio autor, a pedido da editora. Devo dizer que não conhecia a obra de Ivan Bunin e sequer sabia de sua existência. No entanto, ao ler os primeiros contos, gostei quase que de imediato, em especial, dos contos “Respiração suave” e “Rosa de Jericó”; assim foi aumentando a admiração ao longo dos meses em que prosseguia com a leitura.
Como tradutor, apaixonado pela literatura russa e curioso de nascença, notei que não havia nada do autor no mercado editorial brasileiro. Na época, como já sonhava em trabalhar traduzindo literatura russa, e não conhecia o mercado editorial, pensei em traduzir alguns contos daquele livro e “tentar a sorte” em alguma editora (sim, ainda era inocente). Para minha surpresa, as obras de Bunin não estavam em domínio público, ainda restavam 10 anos para que isso acontecesse. Felizmente, desisti da empreitada. Digo felizmente, pois naquela época eu não conseguiria traduzir absolutamente nada dele (não tinha experiência e nem bagagem cultural para tal) e não conseguiria nenhuma editora para publicar; quem atua no mercado editorial sabe que não é bem assim que funciona.
Até o esperado ano de 2024, passaram-se 10 longos anos. Neste ínterim, estudei muito, acumulei diplomas e certificados na gaveta, trabalhei outro tanto com audiovisual, textos técnicos, larguei a interpretação e até consegui entrar no mercado editorial de literatura russa; vieram Tolstói, Dostoiévski e diversos outros autores para o currículo. O Bunin chegou até a ficar esquecido na longa fila de obras que desejava traduzir.
Certo, mas e o Bunin, quando retornou?
Já com uma certa experiência, passei a acompanhar os autores russos que estavam para entrar em domínio público. Vale lembrar que, em geral, entra em domínio público as obras dos autores que faleceram há 70 anos. Sendo assim, no ano seguinte, suas obras entram em domínio público. Porém, na Rússia, há diversas exceções que pode aumentar ou até diminuir este prazo. Se o autor participou da 2ª Guerra Mundial, acrescenta-se 4 anos, idem se sofreu durante o bloqueio de Leningrado, e diversas outras situações políticas e históricas. Bem, Ivan Bunin não entrou nessas exceções.
Em uma das diversas reuniões, regadas a muito café e bolo, com a equipe da Tacet Books, comentei sobre Ivan Bunin, sua obra e um pouco de sua importância (ora, um “Nobel”!) e do seu caráter inédito e, o principal, entraria em domínio público em 2024. Para qualquer editora, seja ela enorme ou minúscula, a publicação de literatura russa é quase sempre baseada na premissa de que o autor precisa estar em domínio público. Obviamente, por questões financeiras. Na Tacet Books não seria diferente, estávamos iniciando a coleção “Alma Russa”, com dezenas de autores clássicos ainda para publicar, não faria sentido publicar um autor ainda fora do domínio público.
Após algumas reuniões (e mais café com bolo), definimos que seria publicada uma obra de Ivan Bunin já no ano de 2024. No primeiro semestre, já tínhamos como projeto a obra “A cabeça do professor Dowell”, de Aleksandr Beliáev, então o Bunin ficaria para o segundo semestre. Porém, o processo de escolha dos textos e a tradução, já havia começado o mais rápido possível e a minha espera de 10 anos havia finalmente chegado a um desfecho favorável a mim, à Tacet Books e, obviamente, a todos os leitores e amantes da literatura russa. A partir disso, veio toda a história da produção desta edição de “Rosa de Jericó e outros contos”, que pode ser acompanhada no vídeo do lançamento online, no canal da Tacet Books no YouTube. E assim, lançamos o segundo volume da coleção “Alma Russa” da Tacet Books , que será uma coleção exclusiva de literatura russa. Este é apenas o começo!

Desta forma, quando a Renata me perguntou “Por que Ivan Bunin?”, minha resposta simples e direta, e aparentemente fria e calculista, tinha, para além de toda a importância do autor para a literatura mundial, um peso de 10 anos de espera e de sonho em ver, por fim, algo do Ivan Bunin traduzido por mim; foi a única resposta possível naquele momento, quase que um desabafo, um “finalmente!”.






“Com paixão e não por paixão”. Adorei!