Bunin e Tchékhov: epístolas
Texto e tradução de R. Ortlibas
Aqui neste Substack não é novidade a admiração de Ivan Bunin por Liev Tolstói. O grande autor do realismo russo sempre foi uma referência literária, filosófica e de vida para Bunin. Inclusive, já escrevi textos e traduzi as cartas (1 e 2) entre estes dois gigantes da literatura mundial. No entanto, uma outra grande inspiração para Ivan Bunin sempre foi o genial contista e dramaturgo, além de médico, Anton Tchékhov. Abaixo, traduzi a primeira carta de Bunin a Tchékhov; nota-se o caráter lisonjeiro, respeitoso, de um autor ainda novato, em relação a Tchékhov, para um autor já consagrado.
Início de janeiro de 1891. Elets
Prezado
Anton Pávlovitch!
Os "escritores" novatos têm o hábito de aborrecer terrivelmente vários editores, poetas, beletristas, mais ou menos conhecidos, e muitos outros com pedidos para que leiam suas obras e deem opiniões "imparciais", etc., etc.; eu pertenço a esse grupo de senhores, tenho a consciência de que pedidos assim às vezes são até mesmo indelicados, descorteses e... ainda assim os faço. Considero, no entanto, que entrar em contato com os srs. editores é desnecessário, o motivo é compreensível. Por isso, ousei a entrar em contato com algum escritor. Como o senhor é o meu escritor contemporâneo mais favorito de todos, e como ouvi de alguns dos meus conhecidos (de Kharkov), que conhecem o senhor, que o senhor é uma pessoa simples e boa, então minha "escolha caiu" no senhor. Ousei entrar em contato com o seguinte pedido: se o senhor tiver tempo livre para, ao menos uma vez, dedicar atenção à obra de um senhor como eu, por favor, dedique. Responda-me, pelo amor de Deus, se posso algum dia enviar ao senhor duas ou três dos meus contos (publicados) e se o senhor os lerá algum dia, mesmo que por falta do que fazer, para partilhar comigo algumas de suas conclusões. Perdoe-me pela impertinência, caro Anton Pávlovitch, e seja complacente a este pedido
de quem sinceramente o respeita
Ivan Bunin.
Endereço: "Elets, prov. de Oriol a Ivan Aleksêievitch Bunin".
P. S. Publiquei os poemas nos "Semana", "Arauto do Norte" e em outros lugares, mas os contos foram no jornal local, no "Arauto de Oriol"
Quando Bunin escreveu a carta acima, ele já havia publicado algumas dezenas de poemas e seis contos em diversos jornais e pequenas coletâneas. Segundo sua esposa, Vera Bunina, a companheira de Bunin na época, Várvara Paschenko, havia insistido muito a Bunin para que ele escrevesse para Tchékhov, a fim de saber a opinião do autor a respeito do talento do seu companheiro. Tchékhov respondeu à carta do seu jovem admirador:
30 de janeiro de 1891 Moscou.
30 de jan.
Caro senhor Ivan Aleksêievitch!
Desculpe-me por não ter respondido sua carta por tanto tempo. Estava em Petersburgo e só hoje retornei a Moscou.
Fico muito contente em servi-lo, embora deva avisar que sou um crítico ruim e tenho sempre me enganado, sobretudo quando tive que julgar autores novatos. Envie-me seus contos, mas não os que já foram publicados.
Pronto para servi-lo
A. Tchékhov.
Moscou, M. Dmitrovka, casa Firgang.
Pelo visto, procede a fama de Tchékhov de ser uma boa pessoa, propondo-se a ler um texto de Bunin e dizer suas impressões acerca da obra. No entanto, Ivan Bunin nunca enviou texto algum. Talvez por receio do julgamento, talvez por temer que a opinião do seu ídolo macule sua admiração por ele. Não se sabe o motivo, apesar de sabermos que o perfeccionismo exacerbado de Ivan Bunin possa ser um dos possíveis motivos. Mas são apenas suposições.
Alguns anos se passaram, não houve qualquer comunicação entre os dois autores. Neste período, em 1894, Bunin conhecia Liev Tolstói, conforme já escrevi por aqui. Bunin foi conhecer Tchékhov pessoalmente no ano seguinte, em 1895, junto com seu amigo, e grande poeta, Konstantin Balmont. Juntos, escreveram um bilhete a Tchékhov:
95, XII, 11
I. A. Bunin e Konst. D. Balmont querem muito ver o senhor.
Se o seu desejo coincide com o nosso, o senhor poderia gentilmente escrever (Tviérskaia, "Louvre", 25, para K. D. Balmont) quando podemos vê-lo.
Sinceramente devotos ao senhor
K. Balmont
I. Bunin
Este bilhete foi deixado no quarto do hotel em que Tchékhov estava hospedado. Bunin e Balmont estavam bebendo e lendo seus poemas no bar do hotel, quando Balmont foi pegar seu casaco, o funcionário o alertou que aquele não era o seu casaco, mas do sr. Tchékhov, que sempre se hospedava ali. Anos mais tarde, Bunin conta a Tchékhov que eles queriam ir ao seu quarto às três horas da manhã, mas se contiveram e resolveram deixar apenas o bilhete. O encontro entre Bunin e Tchékhov ocorreu no dia 12 de dezembro de 1895.
Após se conhecerem, já no século XX, os dois escritores estreitaram os laços de amizade. Bunin era um visita constante nas propriedades de Tchékhov, trocavam inúmeras cartas. Podemos notar, pelas cartas, que Ivan Bunin frequentava e se hospedava nas casas de Tchékhov mesmo quando o amigo não estava, permanecendo apenas com a família de Tchékhov, enquanto o escritor estava viajando.
Na carta abaixo, Bunin parabeniza Tchékhov pelo seu aniversário:
Ialta. 14 de janeiro de 1901.
Caro Anton Pávlovitch!1
Ontem, soube que o senhor faz aniversário no dia 17 e envio-lhe os parabéns. Que Deus lhe dê tudo de melhor; este é o meu desejo constante em relação ao senhor. Queria escrever para o senhor para, além desta ocasião, também agradecer a hospitalidade. Após Moscou, estive na casa do senhor, na aldeia, encontrei lá o Polo Norte, coberto de neve, nevascas, através das quais se via, de maneira opaca, o sol metálico amarelado em um círculo largo e gelado, comecei a me entediar, fiquei sufocado, sem ar, na casa aquecida (era impossível passear, queimava o rosto) e parti outra vez para Moscou, ainda mais que encontrei algumas coisas para fazer. E, depois, tendo recebido novamente um convite de Maria Pávlovna, parti para Ialta, com o maior prazer. Aqui é muito calmo, o clima é suave, e descansei de maneira maravilhosa durante estes dias em sua casa. Não me canso da baía azul ao fim do seu vale. De manhã, meu quarto se enche de sol. E no seu gabinete, onde às vezes eu entrava para passear pelo tapete, é ainda melhor: alegre, espaçoso, a janela grande e bela, tanto nas paredes quanto no chão, reflexos verdes, azuis e vermelhos, que ficam muito fortes com o sol. Eu amo as janelas coloridas, apenas ao crepúsculo elas parecem tristes, e ao crepúsculo o gabinete fica vazio e solitário, e o senhor está longe. Eu e Maria Pávlovna costumávamos nos lembrar do senhor. Maria Pávlovna e Evguênia Iákovlevna estavam muito preocupadas por não receberem cartas do senhor. Ontem, Maria Pávlovna partiu e, uma vez que eu decidi ficar mais um pouco em Ialta, pediu-me para que não me mudasse para Ialta, mas para, por enquanto, ficar um pouco mais em sua casa. E eis que continuo em sua casa. Hoje, Evguênia Iákovlevna recebeu uma carta do senhor e está muito feliz. Estão trabalhando no pátio da sua casa – os turcos estão calçando-o com pedras. Ouvi de Maria Pávlovna que o senhor está trabalhando – desejo muito um estado de espírito verdadeiro e equilíbrio. Também estou rabiscando e lendo algo. E por trás de tudo, vivo com tranquilidade e nobreza. Cumprimento o senhor, aperto sua mão com firmeza.
I. Bunin
Esta carta foi enviada para Nice, onde Tchékhov estava desde o mês anterior. Bunin estava hospedado na casa de Tchékhov em Ialta, a pedido do próprio escritor, que lamentava não poder encontrar o amigo. Na casa, Bunin costumava ficar com a irmã de Tchékhov, Maria Pávlovna, e a mãe, Evguênia Iákovlevna. Na carta anterior, Bunin permaneceu um bom tempo na casa da família Tchékhov, a pedido da família.
Na carta seguinte, Bunin ainda estava na casa de Tchékhov, pedia um favor ao amigo e falava sobre o clima em Ialta e o estado de espírito da família, à espera do escritor. Por fim, avisa que estava indo para Odessa e que aguardava notícias dele.
Ialta. 30 de jan. de 1901
Caro Anton Pávlovitch!
Tenha a bondade, entregue, por favor, a nota anexada à Sofia Pávlovna Baugniet1. Não sei o endereço dela. Uma vez que sei de Evguênia Iákovlevna que o senhor está animado, saudável, está trabalhando e está aquecido, então não lhe pergunto como o senhor está, mas apenas lhe desejo tudo de bom pela frente. Mas, daqui a uns dias, partirei para Odessa e ficarei feliz em receber do senhor ao menos algumas palavras: Rua Sofievskaia, 5. Não tome por inoportuna a minha estadia em sua casa até então; queria me mudar para a cidade, mas Evguênia Iákovlevna se ofendeu2. Por alguns dias, houve um inverno tempestuoso, bem parecido com os dias quentes de março em sua casa, quando o “filho segue o pai”, ou seja, cai a neve úmida. Agora derreteu, faz um dia ensolarado e frio. Mas montanhas, somente na Suíça. Aqui, em sua casa, está tudo bem. Evguênia Iákovlevna está animada, saudável e feliz com suas cartas. O tempo todo lhe parece que, de súbito, o senhor chegará no barco a vapor. Por várias vezes, até mesmo deixou sopa para o senhor.
Aperto sua mão com firmeza, de todo o coração, que Deus lhe dê tudo de melhor.
I.Bunin
É importante lembrar que Tchékhov ainda não havia se casado com Olga Knipper, os dois já se comunicavam bastante, desde 1898, mas o casamento ocorreria apenas em maio de 1901.
A amizade entre Tchékhov e Bunin permaneceu até 1904, ano da morte de Anton Tchékhov. No entanto, a admiração de Bunin pelo amigo permaneceu até sua própria morte, em 1953, quando Bunin escrevia a biografia do amigo, que, infelizmente, ficou inacabada.
Caso queira saber mais sobre a obra de Ivan Bunin, sua vida e a relação dele com Liev Tolstói e com os demais autores de sua época, leia “Rosa de Jericó e outros contos”, de Ivan Bunin, com tradução direta do russo por Robson Ortlibas, lançado pela Tacet Books. Está à venda na Amazon de todo o mundo, em formato digital e impresso. Nesta edição, você encontra 13 contos de Ivan Bunin, sendo 7 contos inéditos no Brasil, além da biografia do autor e diversos textos complementares.





